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A grande sinuca do Governo


                              Samuel Celestino
Jornalista Samuel Celestino
O Partido dos Trabalhadores nasceu na ditadura, já nos estertores do regime de exceção. Foi gerado e embalado no ninho de um ciclo de greves que surgiu no ABC paulista, à porta das fábricas, comandada pelos metalúrgicos liderados por Lula. Muito diferente dos pelegos sindicais que pontuaram sob o abrigo populista de Getúlio Vargas. Em 1943 Vargas criou a CLT. Getúlio misturava o autoritarismo com tinturas nazi-fascista e o populismo trabalhista no qual se apoiava e alimentava a força política que exibia.
De lá para cá tudo mudou, e mudou muito. Uma dessas mudanças marcantes foi a chegada do PT ao poder e o retorno do populismo nas pregações de Lula, principalmente nos dois período que governou a República, com reconhecido êxito. De Lula o poder petista se espraiou para algumas unidades federativas. Chegou à Bahia numa mudança notável, com a vitória de Jaques Wagner sobre a oligarquia carlista, que dava evidentes sinais de fadiga.
O líder do grupo, ACM, notou o desgaste, mas mantinha o poder com dificuldades, trabalhando com mais denodo no plano nacional como uma das maiores, senão a maior, figura do então PFL, hoje DEM. O governador Jaques Wagner, ameno na forma de governar e já no seu segundo período, está, agora, sob fogo dos seus próprios aliados. Desgasta-se.
Nesse ciclo de fogo observa-se um fato inusitado, mas não totalmente estranho. A oposição ao governador tem pequena visibilidade, como era pequena também no período do poder carlista. O carlismo detinha a maioria da bancada federal do Estado e o controle da Assembléia Legislativa. O governador Wagner, no entanto, nos últimos tempos está sob cerco dos seus próprios aliados a partir de acontecimentos que dificultam a sua gestão. Constatam-se greves sindicais que se sucedem numa cadeia que se entrelaça e contribui para o abatimento político do PT na Bahia, desgaste –é o que dizem- também ramificado no interior, conforme pesquisas dos partidos que lhe oferecem oposição. Como não são consultas oficiais, elas têm valor relativo.
Na sucessão de greves, a que mais marcou e desgastou foi a dos policiais militares, na verdade um motim, que contribuiu, e muito, para a expansão da violência em Salvador e no interior. De repente, de unidade federativa relativamente tranqüila, a Bahia saltou para se situar como a unidade federativa com maior índice de violência no País, sobretudo em Salvador e Região Metropolitana. Sem que eu deseje assumir o papel de corvo, ou de qualquer outra ave do mau agouro, a situação se torna crítica –essa é a verdade- na medida em que se dissemina o medo na população. Aleatoriamente. Qualquer pessoa, por mais pacífica, pode se transformar em vítima. A violência se banaliza.
No ciclo de greve, sem referência àquelas realizadas com violência, eclodiu o fogo amigo do movimento do Sindicato dos Professores, que está a demorar mais do que se esperava ou se presumia. É o aliado PCdoB  atirando da rua para dentro de casa. O secretário de Educação, Oswaldo Barreto, expõe números que impedem a concessão das vantagens reivindicadas. O aumento desejado significaria uma pressão de R$412 milhões nas contas governamentais e o Estado não dispõe deste dinheiro. Na verdade, e isso tem que se colocar de forma explícita, a Bahia passa por dificuldades econômicas crescentes. O Estado está em processo de empobrecimento.
Para ativar a discordância à ação governamental, ressurgiu a antiga rivalidade com Pernambuco, que se imaginava sepultada há 40 anos, justo para comparar a Bahia com o processo de desenvolvimento que a unidade vizinha experimenta. A comparação tornou-se lugar comum. Fala-se que a unidade vizinha acelera o processo de desenvolvimento com “canteiros de obras” em toda parte, conseqüência da ação do governador Eduardo Campos, herdeiro-neto político do ícone da esquerda nordestina, Miguel Arraes. O caminho não é por aí, mas é um dos que a oposição explora. Até porque as mudanças são observadas também na cidade do Recife, uma capital bem administrada, que conserva e protege a materialidade (e imaterialidade) do seu vasto patrimônio cultural. O da Bahia é decadente.
Para completar o ciclo, o flagelo da seca ameaça milhões de baianos que habitam a região do semiárido. A estiagem avança sem sinais de arrefecimento. Ultrapassada a estação das chuvas na região atingida, há de se esperar o próximo ciclo que começa em novembro. Até lá, recorrem-se a medidas paliativas. O sofrimento da população só poderá ser amenizado pela resignação do sertanejo, que ora por chuvas que não chegam e se conformam com os caminhões-pipas. Ressurge, assim, na adversidade do sofrimento, a indústria da seca, onde a corrupção se instala e renasce a política da troca de água por voto.
Enfim, o retrocesso da miséria é determinado pelo fenômeno climático. Mas, também, pela ausência de planejamento e ações de gestão para obter recursos federais, de maneira a construir represas, açudes, perenização dos rios, ora transformados com a seca em caminhos de terra rachada. Enfim, de há muito a Bahia não se prepara para o fenômeno da seca, que se registra em ciclos de 26 anos, segundo os técnicos. Os rios das áreas críticas já deveriam ter sido perenizados com águas do rio São Francisco, através de adutoras. A irrigação com águas do rio só acontece na sua margem esquerda, nunca na direita para atender o semiárido.
Assim posto, observa-se que o governador Jaques Wagner, além de todos os problemas que enfrenta, fica exposto ao fogo amigo disparado por sua aliança, como se observou na votação do projeto dos professores na Assembléia Legislativa, na semana que passou. Aconteceram, naquela sessão noturna da AL, os primeiros sinais de dissidências. A não ser que se considerem as críticas aliadas “normais” em ano eleitoral, de modo a agradar uma categoria presumivelmente politizada como a dos professores.
Texto da Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde de domingo (29.04).