Exclusivo!

Poucas & Boas nº 110: Onde está a mudança?

O Presidente do SPC


Conto


Landisvalth Lima


Eu o conheci já caminhando para a segunda adolescência. Suas atitudes eram de ser passivo, conformado. Não esquentava a cabeça com nada. Levava tudo na boa. Antônio Paciência fazia jus ao nome que tinha. Afinal, para que revoluções, demandas, gritos e desavenças? O mundo foi feito para se viver em paz. Seu nome verdadeiro era Antônio José Emídio Andrade. Diante de tal comportamento, coloquei-lhe a alcunha. Ele gostou, todos gostaram. Paciência!
Um dia, encontrei-me com um colega de profissão. Professor de Geografia, Olegário Vilanova sabia tudo sobre o socialismo. Era Che Guevara no céu e o socialismo na terra. Cuba era o país dos seus sonhos e Fidel Castro a pedra no sapato dos americanos. O seu livro de cabeceira: O Capital. Pois bem, Olegário queria fundar o Sindicato dos Professores do Município de Canaã, o SPC. Seria um suporte para criar mais tarde o Partido dos Trabalhadores. Estava precisando de nomes, de pessoas com boa índole e que topassem a luta inglória. Coloquei-me a disposição, mas não poderia estar na linha de frente. Minha vida era muito atribulada para assumir mais um compromisso. Não havia tempo para mais nada. Ele entendeu e anotou meus dados. No dia da reunião de fundação do SPC, lá estava Antônio Paciência. Ele já havia concluído o segundo grau. Já era professor, embora não tivesse ainda o emprego. Fiquei grato e surpreso. Olegário havia me dito que seria o homem ideal para a linha de frente. Calmo, sem arroubos ou arrogâncias. O fato é que o sindicato foi criado e Olegário, óbvio, virou seu primeiro presidente. Antônio Paciência tornou-se secretário. Depois da insistência do colega, assumi uma vaga no Conselho Fiscal, só para contribuir. Tempos depois, tive que me afastar de Canaã. Fui aprimorar os estudos. Pedi licença. Quando saí, o sindicato marcava presença e o PT já estava fundado. O partido se arrastava. Não conseguia eleger um vereador, mas o SPC ganhou importância e cresceu assombrosamente.
Dez anos depois, retornei a Canaã. Antônio Paciência era o presidente do SPC. Procurei informações sobre o amigo Olegário e, meio impaciente, respondeu que ele havia abandonado a luta e se aliado aos patrões e coronéis. Achei tudo estranho. Depois de saber onde trabalharia, saí em busca do velho companheiro de guerra. Encontrei Olegário num sítio pequeno, cultivando frutas e verduras. Fui recebido com entusiasmo e lágrimas nos olhos. Passei a tarde inteira ouvindo o relato de fatos terríveis. Olegário havia sido vergonhosamente traído por Antônio Paciência. Depois que chegou à presidência do SPC, expulsou todos os companheiros de luta. Cortou subvenções, ajudas, salários. Demitiu funcionários com anos de serviços prestados. Centralizou toda administração em si. Ninguém fazia nada sem sua ordem expressa. Aqueles que ousaram lutar contra ele, foram processados, perseguidos, atormentados. Quem fosse amigo ou simpatizante de Olegário, e precisasse dos serviços do sindicato, podia ter certeza de que só conseguia uma coisa na Justiça. Bradava Antônio Paciência pelos corredores: “Quem manda aqui sou eu!”. Para continuar sempre presidente, mudou o estatuto várias vezes. Tem os associados na mão. Como ninguém paga as mensalidades em dia, ele manipula o pagamento ao seu favor. Nunca perdeu uma eleição. Antônio Paciência destruiu o sonho socialista de Olegário.
Depois de ouvir tudo atentamente, perguntei-lhe por que abandonou a luta. Deveria ter lançado uma chapa de oposição e retomado. Olegário disse-me que bem que tentou, mas teria que fazer o mesmo jogo dele e não achava de bom tom se melar. “Meu ideal de vida não permite fazer este jogo sujo, Professor. Por isso optei por viver nesse sítio. Quando não estou em sala de aula, vivo aqui mexendo a terra, fazendo-a gerar alimento. Isso é vida. Estou lidando com os dois lados mais importantes da existência. Produzo em sala de aula o conhecimento, o alimento para a alma, o saber. Aqui, produzo o alimento para o corpo manter-se vivo.”
Ainda procurei saber mais. E o PT? Ele me contou várias histórias. Tinha mantido o partido na linha de esquerda, pequeno, mas digno e honrado. Antônio Paciência filiou quem ele podia dominar, quem ele podia controlar com o cabresto. “Não satisfeito, já que nós protestávamos, deu espaço aos inimigos. Só que os inimigos sabem onde pisam e não aceitam ordens. Hoje ele está lutando agora contra aqueles que ele usou para nos destruir.” E Olegário completou com firmeza. “Agora ele vai perder feio porque está rodeado de pessoas sem iniciativas, acostumadas a receber ordens. Não estamos mais lá para levantarmos a bandeira da autenticidade partidária. Ele está só na cova dos leões. Se aparecermos por lá é só para lembrar aos leões que o maior sempre engole o menor.”
As palavras de Olegário sempre soam verdadeiras quando os boatos circulam na cidade. Antônio Paciência quer mais poder. Quer a prefeitura de Canaã e repete a velha história do mundo. Hitler, Alexandre de Macedônia.....Heróis ou vilões, a luta tem que ser para um grupo e com um grupo. O poder não é de um para um. É do todo para a parte ou da parte para o todo. Amigos, colegas, companheiros, irmãos, bróderes são fundamentais, principalmente em política. Não dá para querer subir a escada tentando derrubar os companheiros ao lado. O inimigo, logo acima, terá maiores facilidades para empurrar a botina na cabeça de quem, como nós, estiver no degrau logo abaixo.

PS: Esta é uma obra de ficção. É a vida que imita a arte! A imagem é do quadro ANTROPOFAGIA, de Tarsila do Amaral. Acho que tem tudo a ver com o conto em questão.